sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Destrichando o clipe "ingenua".

Primeiro capítulo do livro que inicia a escola literária Realista no Brasil, Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor Machado de Assis, intitula-se “Ao Leitor”. Nele o protagonista, Brás Cubas, um defunto-autor, diz que a narrativa de sua vida “fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião”. Graves ou frívolos, o que vou salientar aqui é a importância das metáforas no novo clipe da cantora mexicana (ex-RBD) Dulce María. Diferente de qualquer outro documento visual do antigo grupo, hoje a maioria segue carreira solo, o clipe “Ingenua” é uma verdadeira síntese da movimentação de um ser inócuo à maturidade emocional. Estágio este alcançado com a experiência, musa máxima do fazer crescer.

Para começo de história, não discuto aqui a música. Ou melhor, não só a música. Ou ainda mais, não só a letra da canção. E pensar em música é perceber a letra, que por si já tem ritmo, sons, imagens, mas também a melodia. Eis aqui dois fatores a serem examinados. A esta função talvez dedique outra postagem; mas o que interessa nesse texto não é a música, mas o clipe Ingenua, por mais que a consulte quando necessário. Se somente a canção leva em conta, para sua interpretação holística, letra e melodia, o clipe vai mais além. Letra, melodia, vídeo. Fusão de dois sentidos: visão e audição. Uma verdadeira vitamina de linguagem.
Sem malícia; pureza; em que há inocência. Estas são algumas das definições para a palavra “Ingênua” segundo o professor Aurélio Buarque de Holanda. Mas, como já indicavam os filósofos gregos, uma pessoa não se banha num mesmo rio por duas vezes. Na segunda nem o rio é o mesmo, já que a água não para de ser renovada, nem a pessoa é a mesma, dada a experiência adquirida. O ser humano é feito de mudanças. “Mudam-se os tempos / mudam-se as vontades” já indicou no século XV o poeta português Luiz de Camões. O clipe “Ingenua” trata exatamente deste fenômeno inato ao ser humano, a mudança. De alguém já modificado, a letra da música trata desta pessoa (eu lírico) que reflete um passado de frustração, mas sem o qual não existiria essa reflexão no presente. A primeira imagem do vídeo desta música já revela algo que se mostrará de maneira “estranha” no meio do clipe, a imagem da tampa de um bueiro. Tampa molhada pela chuva, porém que lacra por completo a sujeira e imundice do líquido que ele cobre. Bueiro no chão, sujo, inferior. Isso destoará do eu lírico contrário, no plano superior e limpo. Essa limpeza é importante dado os momentos que este ficará sujo (ainda em urdimento com o simbolismo do esgoto tampado – tampado hoje, não ontem).
Chuva de um passado “gris”, de um ontem “desierto”. Cinza é cor do vídeo até seus últimos segundos. Imagens que nos remetem a um passado amoroso infantil, não na concepção de idade, mas na de ingenuidade. E por falar em infância, eis aqui uma das grandes metáforas destas imagens: a criança. Mas a infante não aparece sem que antes o eu lírico se mostre muito bem protegido por um guarda-chuva, também metáfora do início da proteção atual anti aquele passado. Recorro aqui, novamente, a Aurélio Buarque quando este descreve criança como: “pessoa ingênua, infantil, imatura”. É exatamente isso que representa a imagem infantil no clipe. A criança que amarra o coração com uma corda, ligada que está a um amor tão imaturo quanto aquela que costura o tal órgão, não é a mesma que aparece em seguida. Mas aqui existe uma das maiores poesia do vídeo. Assim como o bueiro (baixo, sujo) é o seu contrário um eu lírico alto, limpo, contrário ao vídeo; A criança que amarra não é a mesma que desamarra, esta última já devidamente imunizada, crescida, madura. O olhar da menina segue em direção à mulher. Duas imagens distintas representam isso. Já que são tão diferentes entre si. Uma a metáfora da ingenuidade, outra a maturidade amorosa. Por fim, as mãos vazias, livres do peso subjetivo daquele amor.
Hora de dizer como funcionaram os dias de ontem. Nestes, amante iludida de um homem casado. Suja (bueiro não tampado do passado?) numa relação adúltera onde o eu lírico não era a primeira pessoa, mas uma segunda. Entretanto hora de colocar a verdade deste passado em imagem. Mulher pequena, coração maior, superior, e num plano alto. Brilhantemente registrado no clipe. Depois, sujeira, arrependimento e a ilusão de um casamento (representado pelo vestido) tão segundo quanto o relacionamento deste casal. Somente o coração e uma fumaça contrastam com a pouca cor do clipe com o vermelho (paixão, amor, morte) destes dois.
Já que a vida é feita de mudanças e a experiência é como um carro com os faróis de trás acesos, vamos crescer, aprender, sair da ingenuidade, da infantilidade, desinstalar-se. Hora de sair do casulo. Sair da ilusão para o que ela me deu de verdade humana. Nada disso acontece como um relâmpago, porém, passo por passo. Primeiro isso, depois aquilo, em seguida aquilo outro. Primeiro guarda-chuva ( que protege da chuva de um passado), no entanto, esse passado, como o próprio sentido da palavra diz, passa, que nem uma chuva sede lugar ao sol. Tiremos as proteções do frio. Momento do sol, da cor e das asas para voar – última imagem do clipe- contrária ao bueiro introdutório. Livre de um passado “gris”, tem-se agora a liberdade, cor e vôo.

Grave ou frívolo, pilares da opinião segundo Brás Cubas, o que não se pode negar, caso deixado de lado os preconceitos musicais, é que o clipe da música “Ingenua” trás um degrau a mais para clipes pop’s tão sem sentido nos últimos tempos. Brás Cubas um defunto autor e não um autor defunto. O eu lírico do clipe não mais ingênuo, porém maduro de maneira que a música e o clipe desenlaçam as mãos e cada um segue com seu sentido. “Ingenua” no cd tem um valor, no clipe, outro.


 Fonte:Isaac Mello

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